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Patricia Rzezak

Com quantos barcos diferentes você está lidando com a tempestade do Covid-19?


Tradução livre do poema de Damian Barr

“Eu ouvi que estamos todos no mesmo barco. 
Mas não estamos.
Estamos todos na mesma tempestade, mas não no mesmo barco.
O seu barco pode estar naufragado e o meu não.
Ou vice-versa.
Para alguns, a quarentena é fantástica: um momento de reflexão ou de reconexão.
Numa boa, de chinelos, com um whisky ou xícara de chá.
Para outros, esta é uma crise desesperada.
Para outros é encarar a solidão.
Para alguns, é paz, descanso e férias.
Ainda para outros, é tortura: Como vou conseguir pagar as minhas contas?
Alguns estavam preocupados com uma marca específica de chocolate para a Páscoa (este ano não temos chocolates chiques).
Outros estavam preocupados com o pão para o domingo ou se o macarrão irá durar por mais alguns dias.
Alguns estavam de “home office”.
Outros estão vasculhando o lixo para sobreviver.
Alguns querem voltar a trabalhar porque estão ficando sem dinheiro.
Outros querem matar aqueles que quebram a quarentena.
Alguns precisam quebrar a quarentena para ficar na fila do banco.
Outros para escapar.
Outros criticam o governo por suas políticas.
Alguns viveram a experiência da quase-morte com o vírus, alguns perderam alguém para ele, outros acreditam que são infalíveis e irão perder o chão se ou quando isso acontecer com alguém que eles conhecem.
Alguns têm fé em D’us e esperam por milagres em 2020.
Outros dizem que o pior ainda está por vir. Então, meus amigos, nós não estamos no mesmo barco.
Estamos passando por tempos em que nossas percepções e necessidades são completamente diferentes. E cada um vai emergir desta tempestade do seu próprio jeito.
É muito importante enxergar além do que é visto no primeiro relance. Não só olhar, mais do que olhar, enxergar.
Enxergar além do partido político, além dos vieses, além do que está bem diante do seu nariz. Não julgue a boa vida do outro, não condene a má vida do outro.
Não julgue.
Permitam-se não julgar aquele que não tem, assim como aquele que tem demais. Estamos em barcos diferentes tentando sobreviver.
Deixe que cada um navegue na sua rota com respeito, empatia e responsabilidade.”

Este poema lindo, sensível e que fala da mais profunda verdade dos tempos atuais chegou a mim sem querer. Veio como uma frase ‘Same storm, different boats' em um e-mail de uma americana que manda newsletters semanais sobre organização. Eu quase não li o e-mail, quase deletei como muitos outros que vem passando pela minha faca afiada ultimamente. A falta de tempo me fez ser mais seletiva. Mas a imagem que ilustrava o texto me cativou. Eu sou uma pessoa de imagens, fotos, figuras. Aquela me chamou a atenção. Vou procurar uma parecida para ilustrar este texto daqui. Esta moça escreveu um pouco sobre o que eu pensei em escrever aqui e achei que não valeria a pena “repetir o assunto”. Ela falou sobre a importância de não julgar a forma como cada um está (con)vivendo a pandemia. Mas resolvi ir atrás da fonte e me deparei com o poema inteiro. Ainda sem resolver se escreveria sobre ele ou não, traduzi o poema e fui dormir com ele.

Ontem, dia das mães, acordei meio chocha. Tristinha. Acontece que eu sou uma pessoa de datas. Curto muito todas elas e nunca as deixo passar em branco. Eu sou daquelas que decora todo tipo de data e mantenho uma agenda mental com todos os registros. Comemorei o dia das mães com minhas filhas e marido. Foi muito gostoso. Ganhei presente surpresa e um jantar delicioso. Eles foram incríveis. Mas faltou aquela sensação de comemoração em família. De conexão com a minha mãe que não pude encontrar. Do almoço cheio de gente, do estarmos juntos, dos beijos e abraços.

Neste momento, me dei conta que este texto pode ser aplicado para a nossa relação com os outros, mas também com nós mesmos. Afinal, nós mesmos estamos enfrentando a tempestade com barcos muitos diferentes. Têm dias que consigo encontrar coisas boas em estarmos em isolamento e saio para passear com meu iate. Fico muito mais próxima das minhas filhas, consigo almoçar durante a semana com meu marido, não pego trânsito para ir trabalhar, faço alguns ótimos atendimentos por tele consulta, consigo me dedicar para escrever textos que podem abrir reflexões para pessoas que nem conheço. Mas tem dias que só tenho um barquinho de toras de madeira feito à mão. Dias em que choro pela falta de conexão, pela distância, pela falta de autonomia, pelas mortes, pela falta.

Conviver com estas mudanças repentinas de humor e de formas de estar no mundo não é bolinho. Brené Brown (autora daqueles dois livros que indiquei num post anterior) fala da importância de abraçarmos nossa vulnerabilidade para nos conectarmos de forma mais efetiva com o outro. Conhecer a nossa “galeria de barcos” e abraçar a realidade que podemos usar barcos diferentes para uma mesma tempestade é uma conversa com esta vulnerabilidade. É o que nos traz a possibilidade de tecermos reflexões sobre quem somos e então amadurecer para escolhermos os barcos que vamos usar nesta e em futuras tempestades.


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