Vivemos em uma época de hipervalorização dos aspectos intelectuais e cognitivos. Estamos acostumados a nos preocupar excessivamente com o desempenho acadêmico, rendimento escolar, preparação para o vestibular e para o mercado de trabalho dos nossos filhos. Gastamos uma energia enorme pensando qual a escola com maior índice de aprovação nas melhores universidades do país, se os nossos pequenos estão aprendendo a ter um pensamento crítico, estão adquirindo as bases para pensarem e aprenderem por si sós e, quem sabe garantirem, o sucesso quando chegarem a vida adulta.
Esta dedicação quase exclusiva ao intelectual, ao espírito, também pode ser observada nas grades curriculares de ensino fundamental e, principalmente médio, das escolas brasileiras. Preste atenção nos horários dos seus filhos. Quantas horas são separadas para as atividades de educação física? Para aulas de arte? Além disso, venho notando que mesmo estas aulas estão ficando cada vez mais teóricas e menos práticas. Quer ver? As aulas de educação física estão se tornando, muitas vezes, aulas sobre fisiologia do movimento e as de educação artísticas estão se tornando aulas sobre a história da arte. Não é mesmo?
Não acho que estas preocupações com o desenvolvimento intelectual são descabidas. Acho que temos sim que considerar cada um dos aspectos anteriormente citados na hora de escolher a escola dos nossos filhos. O meu propósito com este texto é provoca-los a pensar no que estamos deixando de lado com este superfoco nas questões cognitivas.
O que está acontecendo é que as nossas crianças estão tendo cada vez menos oportunidades de experimentar e se familiarizar com o seu próprio corpo. Atividades como esportes, educação artística, dança, lutas marciais e tantas outras, além de serem ótimas formas de desenvolver a motricidade, permitem o desenvolvimento da autopercepção corporal. Da forma como estamos construindo o nosso dia-a-dia, o corpo está se tornando “o irmão menosprezado do privilegiado espírito” (Ruth Ammann, 2002). Entretanto, a percepção corporal é essencial para que tenhamos um acesso mais natural aos nossos sentimentos e essencial para garantir uma eficiente autoregulação emocional. Sabe aqueles ataques de birra e de raiva dos nossos filhos que parecem sem razão e desproporcionais? De certo, muita coisa estava acontecendo no mundinho emocional da criança que nem ela, nem você, se atentaram e que motivaram o tal “descontrole”.
Quando o corpo é menosprezado, o intelecto fica desligado da matéria. Nestas situações vemos o acúmulo de fantasias soltas ou dispersões constantes. É a “mente inquieta” descrita por Ana Beatriz Barbosa da Silva, onde uma idéia gera outra idéia e o fluxo de pensamento fica sem rumo e interminável. Nossas avós sabiamente diziam que quando a criança era muito dispersa era preciso “aterra-la”. Qual não é a surpresa que todas as atividades “de aterramento” propostas por nossas velhas sábias eram especialmente corporais.
Uma proposta bastante inovadora de uma escola canadense modificou as carteiras escolares de seus alunos com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, acoplando uma bicicleta estacionária abaixo da carteira. A idéia é que os alunos pedalem a bicicleta enquanto estão estudando. Segundo o diretor da escola, foi observado um impacto positivo sobre o aprendizado dos alunos hiperativos pois quando crianças com esse tipo de distúrbio mantém algum grau de atividade física, elas aprendem com mais facilidade.
Minha proposta então é repensarmos de que forma podemos inserir atividades que envolvam o corpo na rotina semanal dos nossos filhos. Valorizem os cursos de línguas, as aulas de Kumon e os cursos extracurriculares “mentais”, mas reservem também um período para o esporte, para as atividades lúdicas com bola, aulas de música, artes e dança. Deixe sua imaginação fluir, quem sabe você mesmo(a) não pode incluir um tempinho na sua rotina para atividades desse tipo?