Vivemos tempos estranhos. Em isolamento social forçado perdemos muito mais do que a autonomia de ir e vir. Perdemos a estrutura de nossas vidas, nossa rotina e somos obrigados a aprender a fazer as velhas coisas de forma diferentes.
O sistema de ensino está sendo obrigado a mudar. A escola mergulhou no mundo digital. Todas elas, mesmo as que nunca expuseram seus alunos a nenhum recurso virtual. Algumas tentam aplicar os velhos moldes ao novo mundo. As aulas presenciais continuam a ser dadas pelos professores online, enquanto os alunos assistem, fazem suas anotações e respondem exercícios que são carregados em plataformas virtuais ou serão entregues após o período de isolamento. Outras gravam as aulas ou postam exercícios que podem ser respondidos pelos alunos de acordo com o seu próprio gerenciamento de tempo, com algum intervalo de prazo estabelecido pelos professores. Está difícil para todos se ajustar a esta situação! Mas para alguns o nível de dificuldade é tão difícil quanto matar o Rei Koopa, no videogame do Super Mario. Se este é o seu caso, possivelmente você tem uma criança com problemas atencionais ou dificuldades executivas.
As funções executivas costumam ser metaforicamente comparadas com um maestro que rege uma orquestra com muitos músicos. Elas são responsáveis pelo gerenciamento e coordenação de todas as habilidades necessárias para a realização de uma ação dirigida a uma meta. Além de envolver-se com a regulação das emoções.
Ufa, é um trabalhão!
Para começarmos a entender os motivos das dificuldades que estas crianças estão passando ao serem transferidas, à fórceps, para o ambiente digital temos que avaliar o papel da escola e dos professores como gerentes de suas funções cognitivas. Os professores ditam o ritmo da aula, de acordo com um calendário pré-determinado. Apresentam os conteúdos em uma determinada sequência, capturam a atenção dos alunos dirigindo o seu olhar ou chamando a sua atenção. As aulas têm horário para começar e terminar. Todos os alunos ficam sentados em sua carteira e respeitam algumas regras do quanto podem interromper os professores ou se levantar e sair da sala de aula. Idealmente as salas de aula têm poucos distratores e é difícil encontrar coisas mais interessantes para fazer. Na grande parte das escolas os alunos são inibidos de acessarem seus celulares e aplicativos durante as aulas.
Agora os alunos devem conectar-se virtualmente em plataformas digitais e fazer as atividades escolares no seu ambiente doméstico. Além da mudança física, a conexão com o professor fica mais distante e eles em certa medida perdem esta figura de regente de suas funções executivas.
Os desatentos precisam lidar com a dificuldade maior de recrutar e manter a atenção fora do ambiente da sala de aula – lembra que eu contei como o professor captura o foco dos alunos? No mesmo computador (ou pior celular ou tablet) que ele tem que assistir aulas e fazer atividades, têm o acesso a todas as redes sociais, filmes, séries, jogos e todo o mundo de informações que a internet pode prover. Agora eles podem levantar, pausar conteúdos e voltar mais tarde, comer um lanchinho, dar um pulinho no banheiro, conversar com alguém rapidinho por Whattsapp. Não tem controle inibitório que resista! Fora que prestar atenção a uma aula online gasta muito mais energia atencional do que presencial. Quem já experimentou vai concordar comigo.
Mas os desexecutivos têm mais algumas dificuldades para enfrentar. Estudar a distância requer uma certa programação e um planejamento. É importante manter um controle maior sobre o que precisa ser feito e para quando. O material precisa estar à mão na hora certa e a bagunça precisa ser evitada a todo custo. Mais do que nunca o gerenciamento do tempo e das atividades é importante. Quanto maior a autonomia dada ao aluno, maior o recrutamento executivo. Aqui também entra em jogo os comportamentos de verificação e checagem que tudo foi feito corretamente. Todas as folhas foram escaneadas? Foram carregadas corretamente na plataforma? Ficou faltando alguma coisa? Não vou nem entrar no tema de provas online, rs.
A cereja do bolo é a dificuldade de atraso de gratificações. Quem nunca viu o vídeo do teste do marshmallow, fica a minha recomendação. Ilustra perfeitamente algumas das dificuldades que estes jovens devem estar passando agora. Em poucas palavras, estamos pedindo para eles deixarem para depois os jogos (séries, redes sociais, filmes e etc) em prol do seu conhecimento futuro. Veja, eu sou super nerd e amo estudar. Acho que já gostava nessa época. Mas tá difícil não maratonar o Netflix, apesar da minha idade mais avançada (não falo a minha idade de jeito nenhum). Imaginem essas crianças e jovens que ainda estão com seus cérebros em desenvolvimento e enfrentam uma dificuldade extra no monitoramento de suas ações. Minha intenção com este texto foi aumentar a sua capacidade de entender o que estas crianças e adolescentes estão vivendo nos dias atuais.
No próximo texto desta série vou trazer dicas práticas de como ajuda-los a enfrentar estas dificuldades e tornar este período de aprendizagem mais produtivo e, quem sabe, menos sofrido.Comece a escrever seu post aqui. Você pode inserir imagens e vídeos ao clicar nos ícones acima.